sábado, 19 de maio de 2012

And it was like this


18 de Maio, Estádio do Dragão, Porto

[ 50 mil espectadores não deixaram que a chuva estragasse o primeiro concerto dos Coldplay no Porto ]

Before Coldplay

... Se fosse possível ver a big picture, ter acesso ao Google Maps da vida real, relativamente aos 20/30 km em redor do Estádio do Dragão por volta das 19/20 horas da tarde de ontem seria certamente possível testemunhar todas as forças - passando o exagero - confluírem naquele que era o concerto mais badalado do ano em território nacional. O que ninguém previu foi que também a chuva apontasse a mira à cidade do Porto, levando a plateia do Dragão a pintar o estádio de branco-impermeável em contraste com o fundo e a passadeira do palco que pareciam alvo de um ataque massivo de graffiters de todo o mundo.

Indiferente ao dilúvio que se montava em pleno estádio, a britânica Rita Ora, vestida para o verão, mostrou as suas canções com a ajuda de uma banda escondida debaixo de uns toldos e deixou a nu as influências da sua música, algures entre o reggae e o R&B, passando pelo rock bem rasgadinho. Surpresa já perto do final no final: "Say my Name" das Destiny's Child e ainda uma passagem por "Heartbeat" de Nneka. Para perceber melhor do que Rita Ora é feita serão precisos mais do que 30 ou 40 minutos, numa próxima oportunidade. Continua a chover.

No intervalo, tempo para uma sucessão de coisas mais ou menos inesperadas: um grupo de pessoas canta o hino português, há varredores de água em palco, ouve-se Gold Panda nas colunas do Dragão (quais são as probabilidades?), faz-se a "hola" nas bancadas, pede-se aos altifalantes do estádio que se ergam as pulseiras mágicas luminosas que, diziam, faziam parte do espectáculo (só depois foi possível perceber até que ponto). No espaço de cinco minutos, a cultura do entretenimento brilhou em todo o seu esplendor. E continua a chover.

O palco continua feminino com a chegada de Marina and the Diamonds. Menos Maria Rapaz, mais femme fatale resgatada aos anos 80, Marina e os seus muchachos Diamonds, ainda debaixo dos mesmos toldos pouco habituais para concertos deste género - sobretudo tendo em conta a dimensão do palco. Mais uma imagem pouco comum: fazendo justiça ao seu nome, Marina traz um vestido brilhante, microfone numa mão e um guarda-chuva na outra (fazendo justiça ao tempo). Os seus trejeitos vocais lembram Kate Bush, e as suas canções levam-na para territórios semelhantes. Mais baladeira do que aquilo que seria de esperar ao início, Marina acabou por se render aos encantos do rock (com "Bubble Gum Bitch", por exemplo, a lembrar Blondie) e de uma pop mais cadenciada - sempre sem perder os anos 80 de vista e sem largar o guarda-chuva. E continua a chover. "Primadonna" fechou com problemas técnicos mas acabou por dar para vislumbrar Marina sem guarda-chuva.


With Colplay

Ao som da música do Regresso ao Futuro, os Coldplay entram em palco ao som de "Mylo Xyloto", que desencadeia a primeira explosão de fogo de artificio - e de exaltação. Como seria de esperar, os hits sucedem-se uns aos outros numa espécie de best of ao vivo: "In My Place" provoca mais uma avalanche de aplausos e confirma a capacidade dos Coldplay em encher em som e em entusiasmo um estádio a rebentar pelas costuras. Depois de agradecer a perseverança de todos os que aguentaram à chuva pela chegada da banda, Chris Martin senta-se ao piano para o arranque frenético de "Lovers in Japan", que contrasta em tudo com a seguinte "The Scientist", entre trocadilhos com a cidade do Porto, as luzes intermitentes e comandadas à distância (com belo efeito sobretudo visto de cima), e o passa lá, dá cá de vozes entre o público e Chris Martin. De quando em vez são disparados canhões de confetis e atiradas bolas gigantes e coloridas para o meio da plateia e o tom de festa adensa-se.

De repente ilumina-se o palco de amarelo e é a deixa suficiente para que se relembre "Yellow", primeiro despida ao piano e cantada em uníssono, depois próxima da roupagem que deu aos Coldplay o primeiro sinal sério de estrelato. A passagem por A Rush of Blood to the Head, não muito tempo depois, foi oportunidade para "God Put a Smile Upon Your Face" e para ver vincar e de que maneira as diferenças entre os Coldplay entregues ao rock e os Coldplay entregues às doçuras da música pop.

Num abrir e fechar de olhos, o concerto passa para a língua do palco marcada por um X vermelho, já bem no meio do público; não há bateria mas há uma caixa de ritmos, a voz de Rihanna e a sua imagem nos ecrãs gigantes. É tempo de "Princess of China" mas sobretudo de um momento entregue às electrónicas. Daí até "Up in Flames" tomar o seu lugar no palco é um nadinha. Mas o momento, mais do que ser de uma ou de outra canção, é sobretudo de algum intimismo (se é que isso é possível entre 50 mil pessoas).

De regresso ao palco de todas as atenções, Chris Martin dá as boas-vindas a "Don't Let it Break Your Heart", altura em que uns insufláveis semi-alienígenas de cor púrpura decidem mostrar a cara vindos das saídas de emergência do estádio e de pontos estratégicos. "Viva la Vida" surge do nada e provoca uma explosão de entusiasmo de 8.9 na escala de Coldplay. As pulseiras electrónicas (não confundir com as homónimas) piscam ainda mais intensamente, 99.7% das pessoas não têm os pés fixos no chão (e isto não é uma metáfora) porque "Charlie Brown" já se faz ouvir alto e bom som (o que lembra que o som estava realmente muito bom), num momento de contundente concisão pop. A explosão de cores de "Paradise" mostrou, se dúvidas ainda restassem, a apetência e habilidade dos Coldplay para escreverem algumas das canções mais orelhudas da actualidade: canções de peito cheio, melodicamente apuradas (mesmo na sua simplicidade), hinos de fácil identificação para esta geração.

Já no encore, sem que nada o faça prever, Chris Martin surge num pequeno palco no outro extremo do estádio e, sozinho e de guitarra acústica na mão, investe em "Up Against the World" até que, um por um, os restantes Coldplay vão chegando para vestir a canção detalhes após detalhe. Seguiu-se "Speed of Sound" na mesma toada confessional e pouco depois "Clocks" lembra tudo e todos que não existe tal coisa como os Coldplay ficarem sem hits no alinhamento. Mais: demonstra o poder de uma boa linha de piano para o alcance e poderio de uma canção pop que se quer em grande escala.

Para o final estavam guardadas "Fix You" e "Every Teardrop is a Waterfall", momento que serviu para Chris Martin desfilar com a inevitável bandeira portuguesa e para fazer explodir no ar mais um banho de fogo-de-artifício. Última fotografia mental da noite: Chris Martin saindo do palco não sem antes o beijar de joelhos. Minutos depois do final, havia ainda quem entoasse "Viva la Vida" na tentativa de provocar o regresso da banda; Mas sem sucesso. Restou aos 50 mil trautear o êxito favorito dos Coldplay no regresso a casa: afinal de contas, as filas de trânsito à saída do Estádio do Dragão haviam de proporcionar mais uma ou duas horas para acalmar os ânimos de uma noite de emoções fortes.

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